Estamos passando por um momento muito complicado em nossa sociedade. Muitas informações e números sobre o COVID-19 são apresentados sem uma análise adequada e profunda levando a afirmações que muitas vezes não passam de opiniões.
Mas será que podemos confiar em todos esses números? Uma necessidade que temos é identificar quem está ou não contaminado através dos testes clínicos. Diversos testes estão sendo desenvolvidos, outros já existiam e alguns ainda serão desenvolvidos. Um ponto que muitas vezes (quase sempre) passa despercebido é que esses testes falham, ou seja, eles apresentam falsos positivos e falsos negativos. Toda medição tem uma dúvida, uma incerteza e não é diferente quando falamos em testes de COVID-19. Você já deve lidar com essa incerteza aí no seu laboratório!
Nesse artigo vou falar um pouco sobre confiabilidade de resultado do teste clínico e vou usar um exemplo do COVID-19. Apresentarei uma análise estatística considerando um teste com precisão hipotética de 99% e qual a real chance de uma pessoa que testou positivo ter a doença. Um aspecto muito importante para considerarmos em um teste de análise clínica é sua precisão, ou seja, a chance do teste falhar. Mas, o que significa um teste falhar?
A precisão de um teste clínico:
Quando um teste para COVID-19, ou qualquer outra doença falha, significa que ele apresentou um falso positivo (a pessoa não tem a doença e o teste deu positivo) ou um falso negativo (a pessoa tem a doença e o teste deu negativo). Esse segundo caso é o mais preocupante no momento, pois a pessoa voltaria para sua casa e possivelmente contamina outras sem saber que tem a doença.
Por exemplo, em um teste com precisão de 99% (o que é uma ótima precisão) e considerando uma amostra de 100 pessoas, uma delas teria uma informação errada da presença ou não da doença. Se considerarmos que todas as 100 pessoas como saudáveis o teste indicaria que uma pessoa está doente, mesmo não estando.
Da mesma forma, se considerarmos 100 pessoas doentes o teste indicaria que uma pessoa não tem a doença. Mas como confiar então? Como saber se eu testei positivo e não sou o caso de um resultado falso?
Caso eu teste positivo qual é a chance de eu realmente ter a doença? Podemos pensar de forma intuitiva que é 99% (a precisão do teste), mas essa é uma afirmação errada e não pode ser obtida de forma intuitiva, precisamos usar a estatística para entender e obter essa resposta.
A chance do resultado positivo ser verdadeiro
Quando uma pessoa testa positivo, qual a chance real de ter a doença? Para responder essa pergunta precisamos utilizar o teorema de Bayes (não cabe aqui explicar a matemática envolvida) e obter mais informações além de apenas a precisão do teste.
Uma informação que temos que obter, ou pelo menos estimar, é a frequência da doença na população. Essa informação é fundamental para aplicarmos o teorema de Bayes e inferirmos qual a chance de alguém ter a doença quando testa positivo em um teste com uma precisão de 99% ou qualquer outra precisão.
Para entendermos melhor vou colocar exemplos numéricos considerando dois testes diferentes:
- um com precisão de 95% e
- um com precisão de 99%.
Vamos supor que temos 3 doenças diferentes com frequência na população de 0,1%, 1 % e 10%. Qual seria a chance de eu ter essas doenças testando positivo nestes testes?
Teste com precisão de 95% e com resultado positivo
Teste com precisão de 99% e com resultado positivo
Em uma doença com uma incidência baixa na população podemos ver que a probabilidade de realmente termos a doença (testando positivo) é incrivelmente baixa, mesmo considerando um teste com 99% de precisão (apenas 9% de probabilidade de estar doente testando positivo). No teste com 95% esse valor é de apenas 2%.
Vale ressaltar que usando o teorema de Bayes, também poderíamos usar o histórico da informação para avaliar as probabilidades, mas o que isso quer dizer? Se usarmos agora a informação de 9% como base para avaliar um segundo teste positivo (considerando a incidência de 0,1%) teríamos como probabilidade de termos a doença um valor superior a 90%. Esse problema não ocorre somente no teste de COVID-19, infelizmente qualquer processo de medição utilizado na realização de ensaios de análises clínicas tem uma incerteza ou precisão, em especial no caso de testes para doenças virais ou bacterianas.
Além do COVID-19, onde mais a confiabilidade do teste clínico impacta?
Doenças virais e bacterianas são exemplos de exames que podemos ter esses problemas, como por exemplo de doenças bacterianas: gripes e resfriados, hepatites, HIV, dengue, rubéola, varíola, etc, são exemplos de doenças virais. Tuberculose, coqueluche, tétano, sífilis, cólera, pneumonia, dentre outras.
Por mais que o assunto pareça sério agora, com a pandemia do coronavírus, esta sempre foi, ou deveria ser, uma preocupação de todo e qualquer laboratório de análise clínica: conhecer seus processos de medição e definir corretamente sua precisão ou incerteza.
É claro que agora, estamos lidando com algo generalizado e a nível global, mas o estudo é o mesmo aplicado a qualquer outro tipo de análise de resultado de teste ou ensaio.
O que podemos aprender com isso?
A análise de dados e informações tão relevantes sobre COVID-19, seus testes, incidência da população e tudo o que envolve esse assunto não pode ser tratada de forma simplificada e intuitiva.
Precisamos de conhecimentos técnicos (em especial em metrologia e estatística) para fazer uma avaliação séria dessas informações. Números soltos sem conhecer a precisão dos testes, informações prévias sobre incidências e outras informações mais atrapalham que ajudam.
Com a seriedade nesse cenário, conseguimos entender o quão importante é para um laboratório de análises clínicas entender seus processos de medição, métodos de ensaio e conhecer seus erros e incertezas. Isso possibilita avaliar e definir corretamente a precisão ou incerteza de um teste e/ou ensaio.
Essas informações são fundamentais para uma avaliação coerente e adequada do resultado do teste, levando em consideração as práticas e ferramentas da estatística para minimizar a ocorrência de um falso positivo ou um falso negativo.
A qualidade dos resultados e o uso adequado das ferramentas estatísticas de forma não intuitiva pode ajudar no combate à várias doenças e na identificação correta de pessoas infectadas. Principalmente agora, em tempos de COVID-19.
A definição da precisão ou incerteza do teste deve ser feita de forma adequada, considerando todas as fontes conhecidas. Uma incerteza definida de forma errada ou simplificada pode levar a valores incoerentes e que aumentariam significativamente o risco de uma análise errada.
Por isso, não importa o tamanho do seu laboratório clínico, ou quais testes você manipula, é necessário entender seus processos de medição, métodos de ensaio e conhecer seus erros e incerteza. É uma questão muito séria que influencia a vida das pessoas e, no caso do COVID-19, a saúde nacional.
Portanto, como um bom cidadão, seja cético, não confie em tudo que vê ou escuta. Nesse momento precisamos ter calma e aprender com tudo o que está acontecendo.
Se você é um profissional de metrologia ou estatística que trabalha em um laboratório, continue se qualificando e melhorando o seu processo para garantir um bom trabalho para sociedade.
Mas não se esqueça, a intuição é o pior caminho quando queremos analisar as informações de forma coerente e assertiva.
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