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Medição de Temperatura no Recebimento de Produtos Termolábeis

Figura 1 – Modelo de caixa usado para transporte de produtos termolábeis – Fonte: Manual de Rede de Frio

 

A grandeza temperatura é fundamental na garantia da qualidade de produtos termolábeis utilizados na área da saúde. A ANVISA destaca, em seu Guia Nº2 – Guia para a qualificação dos produtos biológicos, que um número cada vez maior de produtos dependentes da temperatura para manutenção das suas propriedades terapêuticas são fabricados.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a temperatura de armazenamentos de vacinas como um dos critérios de pontuação na avaliação da efetividade dos programas de vacinação no mundo. A excursão da vacina em uma temperatura inadequada pode afetar a potência e a eficácia da vacina.

A medição e o monitoramento da temperatura ocorre em todo o ciclo de vida de produtos termolábeis, da fabricação a entrega para o usuário final. É possível identificar a necessidade de uso de instrumentos de medição de temperatura em diversos pontos da cadeia logística desses produtos termolábeis, como por exemplo no recebimento de um produto na faixa de temperatura de (2 a 8)ºC.

Um exemplo da necessidade de medição da temperatura é no recebimento de medicamentos termolábeis sob temperatura controlada de (2 a 8)ºC. Esses produtos, geralmente, são transportados em caixas devidamente qualificadas (sistemas passivos) com o objetivo de evidenciar a capacidade de manter a temperatura na faixa desejada por um intervalo de tempo conhecido (figura 1). A temperatura de recebimento é medida e o produto é aceito somente se a temperatura estiver dentro da faixa definida.

A medição de temperatura

A medição de temperatura pode ser divida em dois métodos: o método com contato e o método sem contato. A seleção do método de medição de temperatura adequado é fundamental para a obtenção de resultados de medição confiáveis.

Os métodos e instrumentos de medição de temperatura variam em diferentes aspectos, tais como: precisão, facilidade de uso, custo de aquisição, tempo de resposta, resolução, faixa de medição, etc. A qualidade do resultado da medição da temperatura está diretamente conectada com a seleção do instrumento adequado e da definição do método de medição.

Um exemplo da medição com contato são os chamados termômetros digitais ou os dataloggers. Na medição sem contato temos como exemplo os termômetros infravermelhos (IR). A medição por contato, geralmente, é mais lenta que a medição sem contato, mas apresenta níveis de incerteza melhores e métodos de medição mais simples.

A seleção do método e do instrumento de medição adequado é fundamental para minimizar impactos e riscos associados ao resultados de medição. Por exemplo, a OMS recomenda o uso de medidores de temperatura com precisão de ± 0,5 ºC. A precisão do instrumento é apenas um critério para a seleção do método de medição e do instrumento de medição adequado.

A temperatura e o recebimento de termolábeis

Em uma decisão histórica feita na 26ª reunião da Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM) que aconteceu em novembro de 2018 em Versalhes na França, os 60 Estados membros do BIPM decidiram unanimemente pela revisão do Sistema Internacional de Unidades (SI), mudando a definição mundial do quilograma, o ampere, o kelvin e o mol.

A nova revisão irá definir todas as unidades do SI em termos de constantes da natureza, garantindo estabilidade futura para o SI e abrindo novos caminhos para  a inovação e tecnologia. As mudanças entram em vigor no Dia Mundial da Metrologia, no dia 20 de maio de 2019.

A decisão feita na 26ª CGPM, partiu do princípio de criar de fato um Sistema Internacional de Unidades baseado em constantes invariantes da natureza. Atualmente, o quilograma é a última unidade base do SI a ser definida em termos de um objeto feito pelo homem e não por uma constante da natureza.

O quilograma é atualmente definido como a massa de um pedaço de metal em um cofre em Paris, conhecido em inglês como IPK – Protótipo Internacional do Quilograma. O cuidado com esse padrão é extremo, pois o IPK era utilizado para rastrear as medições e os padrões de massa do planeta. A principal desvantagem em utilizar um objeto como definição de uma unidade básica recorre no fato de que não há garantia de estabilidade no valor da massa.

Um estudo realizado, comparou as cópias oficias feitas do IPK espalhadas pelo mundo nos institutos de metrologia nacionais e verificou que ao longo do tempo houve alteração no valor das massas. O gráfico do BIPM mostra que algumas cópias ganharam cerca de 50 µg ao longo de um século, e uma vez que as cópias estão variando, pode-se dizer que o padrão do IPK também está, o que nos leva a um conflito físico e matemático.

Princípio de medição dos termômetros IR

Os termômetros IR são baseados no princípio de emissão de luz infravermelha pelo objeto que se deseja medir. Todo objeto emite radiação infravermelha e sua capacidade de emitir essa radiação é conhecida como a emissividade do objeto.

O valor da emissividade e a emissão de luz infravermelha  depende de diferentes fatores: o material que o objeto é feito, a cor do objeto e a temperatura do objeto. Na figura 2 podemos ver duas latas iguais que foram preenchidas com água quente a mesma temperatura. A lata da direita está revestida com um filme plástico que afeta a emissividade do material e consequentemente o valor medido da temperatura.

O desconhecimento do princípio de medição e dos critérios técnicos para que a medição seja confiável levariam a conclusões erradas sobre o valor medido da temperatura. Esse erro durante o recebimento de materiais termolábeis pode significar um prejuízo de milhares de reais, além de impactar na distribuição dos produtos para o usuário final, ou seja,  um impacto financeiro e social devido a uma medição errada.

Figura 2 – Objetos a mesma temperatura com emissividades diferentes Fonte: www.flir.com

 

Precisão do instrumento e tolerância do processo

Um ponto muito relevante na seleção de um instrumento de medição é o seu uso pretendido, ou seja, o processo que esse instrumento será utilizado. Por exemplo, no caso de produtos termolábeis é muito comum o transporte na faixa de temperatura de (2 a 8)ºC. Essa faixa de temperatura é mundialmente conhecida e define um faixa de tolerância de 6ºC, obtida pela subtração entre  o limite superior da temperatura e o limite inferior da temperatura.

Uma das principais recomendações metrológicas é que o instrumento de medição tenha declarado pelo fabricante uma precisão de 1/10 da tolerância do processo. No caso da faixa de (2 a 8)ºC e considerando a recomendação da relação de 1/10 temos que a precisão recomendada é de 6/10 = 0,6ºC.

Devido a dificuldade técnica e do princípio de medição por IR é muito dificil um termometro IR conseguir atingir a precisão de 0,6ºC. A figura 3 apresenta uma descrição técnica de um modelo de termômetro IR muito comum no uso da medição da temperatura no recebimento de produtos termolábeis.[/vc_column_text][vc_empty_space height=”20px”][vc_single_image image=”3652″ img_size=”full” alignment=”center”][vc_column_text]

Figura 3 – Modelo de termômetro IR Fonte: www.incoterm.com

Um exemplo do risco devido ao problema na medição pode ser observado na seguinte situação: um termômetro IR utilizado no recebimento do material apresenta uma medida de 2,6ºC, seu fabricante declara uma precisão de 1,5ºC, o que significa que a medição tem um risco de 34% da medida estar abaixo do valor de 2ºC.

O estudo do NIST e o critério da OMS

A OMS (Organização Mundial da Saúde) apresenta uma recomendação de critério para o uso de instrumentos de medição de temperatura no transporte e armazenamento de produtos termolábeis. Em acordo com a OMS o instrumento de medição de temperatura deve ter um erro de ± 0,5ºC. Esse critério está em acordo com as recomendações metrológicas para a adequação do instrumento de medição ao seu uso pretendido.

Com base no critério recomendado pela OMS, o NIST (National Institute of Standards and Technology) realizou um estudo técnico do uso de termômetro IR para o armazenamento e transporte de produtos termolábeis na temperatura de (2 a 8)ºC. O estudo “Assessing the Use of Infrared Thermometers for Vaccine Temperature Determination” foi realizado com 4 termômetros IR de diferentes marcas e modelos, com preços variando de $50 a $500.

Após diferentes tipos de ensaios e medições com os termômetros IR, o estudo realizado pelo NIST chegou à conclusão que o termômetro IR não possui precisão, repetitividade ou confiabilidade para realizar as medições no armazenamento e transporte de produtos termolábeis na temperatura de (2 a 8)ºC

O estudo foi produzido pelo PML (Physical Measurement Laboratory) do NIST, sob coordenação do grupo de metrologia termodinâmica, em conjunto com o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) com o objetivo de avaliar o impacto da medição da temperatura na gestão dos sistemas de cadeia frio.

Conclusões

A medição de temperatura é vital no transporte e armazenamento de produtos termolábeis. O uso de métodos e instrumentos de medição adequados ao processo permite obter resultados confiáveis e diminuir prejuízos desnecessários.

A facilidade de uso e a velocidade da medição com o uso do termômetro IR não garante a confiabilidade dos medições. A seleção de instrumentos de medição deve ser realizada com base em critérios metrológicos considerando a precisão necessária e o risco envolvido.

A medição de temperatura por contato, através de indicadores de temperatura com sensores sem encapsulamento (melhor tempo de resposta) apresentam resultados mais confiáveis, precisos e repetitivos.

Garantir a qualidade da medição antes de reprovar ou aprovar o recebimento de produtos termolábeis devido a problemas na temperatura é fundamental para evitar prejuízos financeiros, problemas com clientes ou fornecedores e impactos para usuários finais.

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[1] Effective Vaccine Management (EVM): Global Data Analysis 2009-2016 – setting a standard for the vaccine supply chain. World Health Organization (WHO). 2017.
[2] Introduction to Temperature Measurement. Good Practice Guide Nº 125. National Physical Laboratory. Department for Business Innovation & Skills. United Kingdom. 2016.
[3] Good Practice Guide Nº 118: A Beginner’s Guide to Measurement. National Physical Laboratory. United Kingdom, 2010.
[4] Role of Measurement and calibration: in the manufacture of products for the global market. A guide for small and medium-sized enterprises. UNIDO. VIenna 2006.
[5] The Definition of Measurement Process and its Importance in Metrology. Herrera-Basurto, R., Mercader-Trejo. F. E., Rodríguez-López, A., Manzano-Ramírez, A. Revista Internacional de Investigación e Innovación Tecnológica. Año. 4, No. 21. Julio – Agosto 2016
[6] Guia para a qualificação de transporte de produtos biológicos. GUIA Nº 02/2017 – Versão 02. ANVISA. 2017.
[7] Model guidance for the storage and transport of time- and temperature–sensitive pharmaceutical products. Annex 9. WHO Technical Report Series, Nº 961. 2011.
[8] MANUAL DE REDE DE FRIO do Programa Nacional de Imunizações. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. 5 º Edição. 2017.